Adormecer, sonhar, amanhecer

Dormir junto, sonhar perto de alguém, expor seu corpo tomado pelo sono, partilhar a mesma cama com alguém sempre foi uma tarefa muito complicada, Sempre saiu alguém machucado por um soco ou cotovelada no rosto, por um ponta pé ou joelhada naquele lugar. Sempre houve alguém indo parar no chão, com frio por ter tido o cobertor usurpado ou mesmo acuado no único cantinho mínimo que restava da cama. O lugar que deveria ser de descanso virava um ringue de batalhas crueis e sangrentas, algo muito longe do romantismo que o ato pedia. Era assim sempre que ela dividia a cama com alguém.
Os bravos que se arriscavam a dividir o mesmo leito estavam sujeitos à esterilidade ou mesmo a sequelas graves e marcas pelo corpo. Mais seguro seria dormir com um paquiderme.
Não gostava de abraços, nem de ninguém muito perto, isso causava-lhe grande aflição; limitava seus movimentos noturnos de liberdade o que resultava em pesadelo horrendo, um único, mas não menos amedrontador e asfixiante.
Sonhava que estava submersa nas águas turvas de um rio, amarrada pelos pés, sem poder respirar, sem saída.

Um dia, que deveria ser um dia como outro qualquer, fugiu completamente dos padrões já conhecidos.

A primeira vez que eles dormiram juntos foi mágico, ou algo muito próximo disso.
Ele a abraçou e parecia um abraço normal, mas foi apertando-a mais e mais, as pernas se entrelaçando com as delas, nem dava pra saber qual perna era de quem.

Os movimentos pareciam coreografados, pareciam fazer parte de uma obra de arte. Impossível olhar sem ter vontade de fazer parte daquilo tudo.

Mas ela não deixava de pensar como bicho chucro. Sentia como se uma sucuri lhe desse um abraço, o abraço do abate; sentiu-se a presa fácil, Um ser encantado, envenenado e bobo. Nada fez contra. Só suspirou. E deixou, só deixou...

Ele impedira qualquer movimento que a levasse para longe de seu corpo e perguntou se ela gostava de ficar assim, ela respondeu que não gostava, ele disse com voz doce e tranqüila: “Mas você vai adorar” e ela pensou: “Pronto! Noite em claro ou pesadelo, puta que pariu!”.

Só houve tempo de pensar isso uma única vez. Adormeceu, desmaiou... Não sabe ao certo. Mas sonhou!

Sonhou com árvores gigantescas, tão grandes que suas raízes saltavam da terra vermelha e para caminhar por entre as árvores era quase necessário escalar as raízes. Vento frio, bruma tão densa que quase dava para pegar com as mãos... Tudo muito grande e ela muito pequena.

Não sentir solidão naquela imensidão, era impossível.

Andou muito, passou frio, o rosto molhou com o orvalho gélido e nem sabia para onde estava indo, o que estava procurando.

Parou e encontro um lugar aconchegante nas raízes, ficou ali esperando algo acontecer, não sabia o que era.

Ali, aconchegada e conformada em esperar, contemplou as brumas se dissipando e aos poucos mostrando as flores pelo chão, algumas pisoteadas por ela na caminhada às cegas, algumas mortas, outras ainda com forças para se reerguer. Um colorido chão de flores, mortas, feridas, precisando de ajuda ou dando conta sozinhas.

Mais um tempo de espera e foi testemunha do mais belo amanhecer que podia imaginar. Nunca vira algo parecido e já havia visto o sol nascer várias vezes, mas não daquele jeito, não com aquela ótica. O sol Todo imponente, dono de si e do resto, alaranjado, amarelado, caloroso e necessário.

Pensou em ficar ali para sempre e fazer isso todos os dias do restante de sua vida. Deu vontade de tirar a roupa e ir correndo em direção à ele, ser dele, ser do sol. Mas permaneceu só imaginando a cena. Continuou aconchegada no seu cantinho.

Adormeceu no sonho e acordou nos braços dele. Ainda abraçados e entrelaçados. Não havia ninguém sangrando, nem com frio, nem no chão ou no cantinho solitário da cama. Ela não havia conseguido fugir. A paz reinava no leito. Ela gostou.

Eis mais uma coisa para ela sentir falta.

Sente falta.

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